Tradução
Entende-se por tradução a passagem de um texto escrito de uma língua para outra. Quando o texto for oral, diz-se que há interpretação. A interpretação é um tipo de tradução. Mas há nessas atividades diferenças fundamentais. No trabalho o tradutor dispõe de tempo para compreender o texto a ser traduzido, utilizando, se necessário, estratégias como glossário, notas de rodapé, comentários, etc. Enquanto que ao intérprete cabe ouvir, entender, assimilar, reproduzir. Ele necessita de boa memória e raciocínio rápidos. A atividade do intérprete implica forçosamente improvisação, limitação de tempo, rapidez de ritmo, exigências excepcionais de memória, espera de reação imediata. Por isso é importante que o intérprete da Língua de Sinais conheça previamente o texto da língua-fonte com a finalidade de realizar um trabalho fiel possível.
Resumindo: Língua oral (Português) para Língua de Sinais = Interpretação
Língua de Sinais para Língua oral (Português) = Tradução
INTRODUÇÃO
Traduzir de sinais para voz é, provavelmente, o maior desafio para os intérpretes das Línguas de Sinais. São muitos os conhecimentos e domínios necessários para que aconteça uma boa, coerente e real tradução. Em diversos países temos muitos intérpretes leitores de sinais, porém, não tradutores. Produzir sinais (no geral) é muito mais fácil do que ler sinais, até mesmo porque nós (ouvintes) temos o hábito de ouvir uma língua e não de vê-la.
Diante de uma grande platéia ouvinte (não sinalizadora), maior será a admiração por ver o intérprete sinalizando do que traduzindo. A crítica ao intérprete que atua como sinalizador poderá vir do público surdo presente – porém, em geral, os surdos são (não deveriam ser) bem mais passivos ou até mesmo flexíveis. A platéia ouvinte, nesse caso, por ser leiga, não tem como criticar.
Entretanto, o contrário é muito diferente e bem mais complexo. Os surdos estão em situação acrítica durante o processo de tradução, e os ouvintes não. Por estarem totalmente conectados e até dependentes da fala do tradutor-intérprete, eles se posicionam de forma ativa em relação ao orador.
A corporeidade vocal (ou não) será forte determinante para a interação (ou não) com essa platéia, bem como sobre a visão que terão desse indivíduo que está sendo traduzido.
Atualmente (e de forma crescente), os surdos têm protagonizado mais e mais sua própria história, e a demanda por bons intérpretes-tradutores tem aumentado dia a dia. Como sujeitos de sua história, os surdos têm se apresentado com maior frequência como palestrantes em congressos (de surdos ou não), escolas, empresas etc., e os ouvintes tradutores têm sido com mais incidência co-responsáveis para eliminar as barreiras de comunicação e romper paradigmas sociais sobre quem são esses cidadãos surdos.
Mais do que apoio técnico (oralidade, letramento, inclusão, protetização etc.) que os surdos têm recebido da comunidade ouvinte durante anos, eles têm solicitado, mais e mais, apoio humano por meio de tradutores-intérpretes que, literalmente, atuam como porta-vozes de suas falas e/ou embaixadores orais de suas idéias junto à comunidade ouvinte leiga.
Cada vez mais, como direito à cidadania plena e protagonismo de sua própria história, a comunidade surda tem discursado “ao vivo e em cores”, ante aos olhos dos que, voluntária ou involuntariamente, não teriam acesso às suas “falas”, se não fosse pela mediação de um intérprete-tradutor. Esses intérpretes têm apoiado os surdos na sua inclusão plena e igualdade de direitos junto à sociedade majoritária.
Toda a tecnologia e técnicas para desenvolver a oralidade dos surdos jamais poderão substituir a necessidade e o direito que os surdos têm de se expressar em sua própria língua materna (no caso, a Libras) e serem compreendidos por todos, acima de tudo, pela sociedade majoritária que não sabe Língua de Sinais.
O surdo não tem obrigação de narrar-se em Libras como se fosse um ouvinte, com a estrutura gramatical do português. O seu discurso em Libras é o seu próprio ato de pensar, que é muito mais que um acontecimento cerebral. É um ato que ocorre a um montante de símbolos (icônicos ou arbitrários), de pensamento imagético e, consequentemente, imagens visuais, experiências “auditivas”, gustativas, táteis, olfativas, sinestésicas e proprioceptivas que estão “transitando” neste discurso; os objetos em experiência sobre os quais os surdos imprimiram significado – sua cosmovisão.
Dessa forma, os surdos atuarão com uma cidadania mais participativa e igualitária, valendo-se dos seus direitos não somente de pertencer, mas de ser, de tomar decisões, da autonomia, de celebração das diferenças, da valorização da diversidade humana, do aprendizado cooperativo, da equiparação de oportunidades, da solidariedade humana, da independência, do "empowerment", da autodeterminação, da rejeição zero e da cidadania plena com qualidade de vida.
Como vemos, para a grande maioria dos surdos, o papel do (bom) intérprete-tradutor é fundamental (em alguns casos indispensáveis) para que o indivíduo surdo seja realmente o principal protagonista de sua própria história.
PRELIMINARES PARA A (BOA) TRADUÇÃO
A tradução LIBRAS – Língua Portuguesa é muito mais que apenas um processo de recepção/transmissão de uma língua para outra. O intérprete-tradutor é (ao menos deveria ser) um participante ativo nesse setting de comunicação. Seu amplo conhecimento social e linguístico influenciará imensamente na qualidade dessa tradução. Como uma ponte entre duas culturas, ele precisa de grande conhecimento teórico-prático das culturas envolvidas nessa interação linguística.
São quatro (4) atividades exigidas na tradução:
1. VER em uma língua
2. Mas não somente VER, mas VER e COMPREENDER
3. Não somente FALAR, mas falar e se FAZER COMPREENDER
4. FALAR na outra
TRADUZINDO SIGNIFICADOS
Podemos realizar o que chamamos de uma boa leitura de sinais (dos significantes), uma vez que a Língua de Sinais em si mesma pode vir de nosso léxico mental já memorizado, entretanto, os significados linguísticos emergem muito mais de um conhecimento não-verbal aliado a esse conhecimento formal.
Traduzir é muito mais do que enviar falas de A para B. Recebemos informações que são (re)constructos de idéias de A e as convertemos em nossa própria representação mental para B – a cosmovisão do outro de encontrar com nossa particular cosmovisão, que, ali, se fundem e se respeitam: é a própria capacidade de autopoiesis do intérprete. Linguagem e conceitos são inseparáveis.
Traduzir é o ato de entendermos as intenções, significados, fenômenos paralinguísticos, etc. para expressá-los em nossas próprias palavras. É passar os sentidos desse discurso e não palavras isoladas desprovidas de seus significados contextuais. É compreender esses fenômenos extras ou paralinguísticos, além dos complementos cognitivos adicionados a esse discurso.
Traduzir sinais orais, acima de tudo, evidencia que necessitamos de muitos conhecimentos extralinguísticos na tarefa de entender essas “falas” repletas de informações não-verbais, muito mais do que fazer a transposição de uma percepção visual para uma expressão verbal, é, também, a percepção do discurso não-sinalizado do outro.
O entendimento humano de sentenças isoladas evoca apenas parte do conhecimento de quem está ouvindo. “Embebido” do contexto, os eventos discursivos evocam muito mais nossos conhecimentos internalizados.
Enfim, essa percepção não-verbal, aliada à memória não-verbal do intérprete-tradutor e da platéia, não é somente a base de uma boa tradução, mas a chave do entendimento do como adquirir conhecimento e colocar luz sobre a natureza dos pensamentos e o porquê da fala do sinalizador.
TIPOS DE TRADUÇÃO
Tradução Espontânea: é a própria performance do sinalizador, improvisada e sem preparação prévia. O intérprete-tradutor não teve tempo algum para ver o texto ou a “fala” do sinalizador. Alguns exemplos disso são palestras não programadas, consultas médicas, entrevista para emprego, situações jurídicas, orientações e procedimentos em uma empresa etc. (inclusive, nessas situações, o intérprete executa função dupla e simultânea, o que torna tudo muito mais difícil).
Somente a experiência e a prática é que facilitarão cada vez mais a atuação como intérprete-tradutor nessas situações específicas, uma vez que não há como prever o que acontecerá em cada caso.
Importante: em situações judiciais, médicas, psicológicas, anamneses, entrevistas para emprego, provas e outras semelhantes, a má tradução influenciará profundamente na compreensão e no andamento dos processos.
Tradução Fixa: são traduções de textos ou “falas” já conhecidas como a oração do Pai Nosso, textos escritos conhecidos, poesias da cultura ouvinte adaptadas para Libras, textos do Estatuto dos Direitos Humanos, Estatuto dos Direitos da Criança, leis, documentos oficiais, atas, peças teatrais com textos de falas decoradas etc. Nessas situações, provavelmente, o intérprete-tradutor terá in loco o material a ser traduzido.
Entretanto, cuidado: ainda que o texto seja o mesmo, cada sinalizador imprimirá seu registro linguístico personalizado, seu ritmo, sua poesia, sua personalidade, inclusive podendo ser diferente em comparação à última vez em que ele mesmo sinalizou esse mesmo texto – dificilmente falamos a mesma coisa da mesma forma duas vezes!
Tradução Preparada: é a situação considerada ideal para uma boa tradução porque o intérprete terá condições de se preparar com antecedência. A quantidade dessa preparação varia de acordo com o que cada situação requer, podendo ser breve ou extensa. Veja a seguir alguns exemplos em que a preparação se faz importante.
Defesas de teses, apresentação de TCCs, monografias, palestras científicas etc. devem ser lidas e estudadas com muita antecedência.
Apresentações de peças teatrais: os tradutores devem participar de todos os ensaios porque serão “co-atores” durante toda a encenação.
Palestrantes de cidades diferentes das cidades dos tradutores, ainda que enviem textos com antecedência, devem estudar juntos, pois há sinais específicos que são diferentes para cada região do país
É importante enfatizar que o intérprete-tradutor deve estar aberto e preparado para mudanças espontâneas do sinalizador, mesmo dentro da proposta tradução preparada, tais como: ilustrações que surgem na hora, pequenas dramatizações, novas anáforas, acréscimo de novas idéias, sinais, personagens, linha de pensamento, novas ênfases e entonações etc., além do fator nervosismo do palestrante, que também poderá alterar a sua “fala”.
ANTECIPANDO O TIPO DE AUDIÊNCIA
Outra dimensão a ser reconhecida pelo tradutor-intérprete é o número de participantes e o tipo de atividade comunicativa necessária para cada audiência específica: se a tradução será feita um a um, em grupos pequenos, médios ou grandes. Cada setting determinará a forma de traduzir, de se posicionar fisicamente e os aparatos necessários para que a comunicação aconteça de forma excelente e bem contextualizada – o uso (ou não) de microfones, de caixas de som potentes (ou não), de “contra-intérpretes” (preferencialmente surdos) ou não, e até mesmo do apoio de outros intérpretes.
RESUMO DOS ASPECTOS MAIS IMPORTANTES PARA UMA BOA TRADUÇÃO:
1. Conhecimento das línguas de origem e destino.
2. Conhecimento Social de ambas as culturas (ouvinte e surda).
3. Qualidade de voz, articulação e entonação.
4. Contato visual.
5. Lag-time (tempo de espera).
6. Vínculo, convivência ou relação de confiança com o surdo sinalizador.
7. Adequação do discurso / sinalizador / público destino
Referencial Bibliográfico: INES - Fórum 13 (2006)
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