LIBRAS, QUE LÍNGUA É ESSA?
Desmistificando a Língua Brasileira de Sinais
Diversos autores, através de suas pesquisas na área, vêm mostrando claramente que as
Línguas de Sinais podem ser comparadas em termos de complexidade e expressividade a
quaisquer línguas orais, mesmo se pertence a uma modalidade diferente, são visual-espaciais, ou
seja, são estabelecidas pelo canal visual (visão) e utilizam o espaço para estabelecer a
comunicação entre os seus interlocutores.
As pessoas usuárias da Libras, sejam surdas ou ouvintes, podem estabelecer discussões
sobre diferentes temas como: filosofia, política, esportes, literatura e da mesma forma, utilizá-la
com função estética para recitar poesias, fazer teatro, historias, humor entre outras. A diferença
da modalidade das línguas de sinais determina o uso de mecanismos sintáticos específicos
diferentes dos utilizados nas línguas oral-auditivas, por exemplo, na língua portuguesa.
Uma dos mitos mais famosos com relação às línguas de sinais é a de que são Universais,
visto que a universalidade ancora-se na ideia de ser esta língua um código que os surdos utilizam
para se comunicar e, muitas vezes transmitir fatos da língua portuguesa, podendo até comunicarse
em qualquer lugar do mundo. Esse mito não é verídico, visto que do mesmo modo que as
pessoas falam diferentes línguas orais no mundo, também as pessoas surdas em qualquer parte
do mundo falam diferentes línguas de sinais.
O surgimento de uma língua em determinada comunidade envolve aspectos culturais e de
interesses comuns, por isso os surdos brasileiros não podem falar, por exemplo, ASL – língua de
sinais americana, nossa cultura e interesses nos diferenciam. Mesmo o Brasil e Portugal que
possuem a mesma língua oficial oral, no caso dos surdos nascidos nesses países, suas línguas de
sinais são diferentes, os surdos portugueses utilizam a LSP – Língua de Sinais Portuguesa e nossos
surdos usam a Língua Brasileira de Sinais – Libras, do mesmo modo Estados Unidos e Inglaterra.
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No Brasil também temos registro de uma língua de sinais utilizada pelos índios UrubusKaapor,
que vivem na região amazônica.
Muitas pessoas acham que as línguas de sinais são apenas gestos e mímicas atribuindo a
elas um caráter de artificialidade, mas ao contrário, são línguas naturais, pois evoluíram a partir de
um grupo cultural, os surdos. Como exemplo de línguas artificiais temos o “esperanto1
” (língua
oral) e o “gestuno2
” (língua de sinais), essas línguas realmente foram criadas com um intuito
apenas de estabelecer uma comunicação internacional, funcionando como língua auxiliar ou
franca, planejada para fins comunicacionais apenas.
Quando pensamos em termos históricos, acredita-se que as línguas de sinais possuem
origens ou raízes nas línguas orais. São poucos os registros a respeito dessas origens, mas em
Wilcox & Wilcox (1997) encontramos argumentos de que há dois tipos de evidência que mostram
o uso de forma natural das línguas de sinais pelos surdos. O primeiro vem de uma pequena
comunidade próxima a Massachusetts, Estados Unidos, chamada Martha’s Vineyard, uma
pequena ilha comunitária com elevado índice de hereditariedade de surdez, observado entre os
séculos XVII e meados do século XX. O segundo tipo de evidência vem da França, um surdo,
chamado Pierre Desloges, relata no livro Observations of a Deaf-Mute, em 1799, sobre a própria
língua de sinais que utilizava e a defendia contra aqueles que desejavam bani-la.
A Língua de sinais americana bem como a língua brasileira de sinais tiveram suas origens
na língua francesa de sinais. Nos Estados Unidos, o americano Thomas Hoppins Gallaudet
sensibilizado com uma garotinha surda, Alice Cogswell de 8 anos, viaja a Europa em busca de
novos métodos para ajudar no desenvolvimento educacional desta menina, visto que não confiava
muito nos métodos para oralizar pessoas surdas.
1
Em 1887, o russo Ludwik Lejzer Zamenhof, oftalmologista e filosofo, publicou a versão inicial do idioma com o objetivo de criar
uma língua de aprendizagem muito fácil como língua franca inernacional para os povos de todos os cantos do mundo. Sabe-se que
nenhuma nação adotou oficialmente o esperanto como língua, mas registra-se um uso por uma comunidade de mais de 1 milhão
de falantes. Atualmente é a língua auxiliar planejada mais falada no mundo. (Santiago, 1992)
2
O nome gestuno tem origem italiana e significa “Unidade em língua de sinais”. Foi citada pela 1ª vez em 1951 no Congresso
Mundial na Federação Mundial de Surdos. Em meados da década de 1970, o comitê da Comissão de Unificação dos Sinais
propunha um sistema que unificasse os sinais mais compreensíveis, que facilitassem o aprendizado, a partir da integração das
diversas línguas de sinais. (Moody, 1987; Supalla & Webb, 1995; Jones, 2001)
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No Brasil, em 1855, um surdo francês, Ernest Huet, em comum acordo com o imperador
Dom Pedro II, chega ao país e cria a primeira escola nacional de surdos, atualmente o Instituto
Nacional de Educação de Surdos – INES na cidade do Rio de Janeiro.
As línguas de sinais são rodeadas no imaginário popular de vários mitos. Outro fato
relevante em que se acredita é que estas línguas são ágrafas, ou seja, não possuem escritas. Na
verdade até pouco tempo, as línguas de sinais não possuíam escrita, mas a ideia de representá-la
graficamente surgiu em 1974, por Valerie Sutton, uma coreógrafa americana que fez uma espécie
de transcrição dos sinais para utilizá-los com os passos de dança, isto de imediato chamou a
atenção da comunidade científica dinamarquesa das línguas de sinais. Iniciam-se, então, pesquisas
na área e, a partir desde momento, acontece o primeiro encontro de pesquisadores, nos EUA
organizado por Judy Shepard-Kegel, e dele um grupo de surdos adultos aprendem a escrever os
sinais do Sign Writing, a escrita dos sinais.
No Brasil o sistema ainda é um experimento e foi, a partir de 1996, que um grupo de
pesquisa, liderado por Antônio Carlos da Rocha Costa, na Pontifícia Universidade Católica - PUC de
Porto Alegre, começou sua caminhada para o desenvolvimento da escrita da língua de sinais
brasileira e futuro reconhecimento legal.
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