quinta-feira, 24 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO INTEGRAL DO SURDO ATRAVÉS DO ESPORTE


Joguei futebol profissional, por dez anos, em equipes como Palmeiras, Corinthians, Ponte Preta, Comercial de Ribeirão Preto, Antuerpen da Bélgica, entre outras.  Após parar de jogar, fui perdendo gradativamente a audição e, hoje, completamente surdo.  Escrevo sobre minha experiência profissional com os surdos com intenção de contribuir para que a enorme distância que separa a comunidade surda e a ouvinte seja, cada vez mais, estreitada, possibilitando uma convivência mais harmoniosa entre ambas.
A escolha pelo futebol foi marcante em minha vida e, ao escolher uma nova profissão, decidi ouvir novamente meu coração e minha consciência.  O primeiro me dizia que deveria continuar a fazer o que amava e o segundo me lembrava que era chegada a hora de devolver um pouco de tudo que já havia recebido da vida.
Fui convidado a participar de uma cooperativa de ex-jogadores, a “COOPERESPORTES” (www.craquesdesempre.com.br).  Fomos contratados pela Prefeitura da Cidade de São Paulo, através da secretaria de esportes para trabalhar em um projeto, dando aula de futebol de campo em lugares com população muito pobre.  O objetivo era retirar os garotos das ruas, educá-los, através do esporte, e encaminhá-los na vida.  Preocupava-me em, com exemplos de conduta, para bem cumprir meu papel de educador.
A princípio, o diretor do projeto me escalou para trabalhar no C. E. da Lapa, o “PELEZÃO”, enquanto arrumava um campo para minha escola.  Este local já tinha professor e deveria trabalhar alguns horários com ele.  Quando lá cheguei, tive a grata surpresa de encontrar o LEIVINHA (Ex-jogador do Palmeiras).  E não segurei as lágrimas nos olhos, diante daquele que fora meu ídolo de infância. Passado um tempo fui convidado a montar uma escola na COHAB de Carapicuíba / SP, junto a um projeto social do Grupo “NEGRITUDE JÚNIOR”, pois éramos amigos do cantor NETINHO DE PAULA, e ali fiquei alguns anos.  Posteriormente, fui dar aula no Parque da Aclimação.  Foi quando percebi a dificuldade para ouvir e, ao procurar a causa do problema auditivo, descobri que era devido à calcificação no organismo, ocasionada por tratamento a base de cálcio que minha mãe fizera quando em minha gestação.  Iria perder gradativamente a audição e isto não teria cura.
Continuava meu trabalho com os alunos das comunidades carentes, porém, nesta época, muito triste e desmotivado, pois agora era uma “pessoa portadora de deficiência”.
Em uma reunião que tivemos na Prefeitura, o diretor do Projeto pergunta: Pessoal, temos 60 escolas de futebol, quem se propõe a fazer uma escola diferente? Para deficientes?
Não conseguia falar!  Era Deus respondendo as minhas perguntas. Quantas vezes busquei respondas para as seguinte indagações: Porque eu? Não fui sempre correto? Não ajudo a quem posso?Por que este castigo?
Aceitei de pronto o desafio e o diretor me deu “carta branca” para começar.  Eu fazia pesquisa na Internet e não encontrava nada de futebol ou esporte para surdos.  E me perguntava: Onde irei arrumar tantos surdos juntos para começar uma escola?  Ajuda-me meu Deus!
E num belo dia, que havia resolvido mudar o itinerário, ao lado do Parque da Aclimação, li uma placa que fez parar meu coração: Cuidado. Escola de Surdos.  Era Deus me carregando no colo!
Corri ao Parque, chamei meus amigos diretores, Orlando e João, e nos dirigimos à escola para falar com a diretora.  Fomos muito bem recebidos e nos ajudaram a montar 1ª Escola de Futebol para Surdos do Brasil.  No 1° treino compareceram 80 alunos: 50 meninos e 30 meninas. Estávamos no ano de 1996.
Ao ver tantas crianças surdas juntas, tão excitadas e com brilho nos olhos por terem a oportunidade de entrar num campo e poder praticar futebol pela 1ª vez, fiquei muito emocionado.  Então, entendi o propósito de Deus e me envergonhei em pensar que ele havia me castigado pela surdez, quando na realidade ele havia me dado mais um grande presente!  Afinal, havia sido o escolhido para desenvolver um trabalho pioneiro, ao criar um programa que educasse o surdo através do esporte e deveria levar este programa a quantos surdos pudesse.  Entretanto, nosso projeto era realizado após as aulas do colégio de forma alternativa porém eu queria que todos tivessem a oportunidade de participar, inclusive aqueles que não tinham autonomia para ficar após as aulas do colégio, seja por serem os alunos menores, ou mesmo aqueles que moravam a grande distância da escola.
Em uma conversa que tive com a direção do colégio, vim a saber que não havia o professor de educação física contratado e esta seria minha grande chance de inserir meu projeto dentro da escola, onde todos os alunos surdos pudessem ser beneficiados.  E foi a partir de então que idealizei e coloquei em prática o Projeto “EDUCAÇÃO INTEGRAL DO SURDO ATRAVÉS DO ESPORTE”.

O PROJETO:  “EDUCAÇÃO INTEGRAL DO SURDO ATRAVÉS DO ESPORTE”
1 – Fundamentação:
O esporte é parte integrante do desenvolvimento humano, desde tempos imemoráveis.  Podemos dizer que, a prática esportiva está diretamente ligada à qualidade de vida de todo cidadão, seja qual for sua faixa etária.  Na área da saúde, por intermédio da fisiologia do exercício, na área social, por meio da participação e lazer, ou na área da educação, pelo esporte escolar.  Por todos estes fatores, é o segmento em condição mais favorável à promoção do desenvolvimento humano em todos seus aspectos, com papel fundamental na educação de nossos jovens, formando hábitos e valores para toda a vida.  Para isso é preciso que seja democrático e inclusivo, sendo estimulado desde a infância, e o local mais adequado para sua iniciação é a Escola.  Entretanto, através de estudos por nós realizados, a conclusão é que a pessoa surda ou deficiente auditiva é excluída do esporte, seja nas ruas, nos clubes, espaço Municipal e Estadual e também nas Escolas Regulares e Especiais, onde não há o Professor de Educação Física em número suficiente e, algumas Escolas, sequer contam com quadra esportiva em seu espaço físico.  Nossa proposta é a criação de Núcleo Esportivo nas Escolas alunos surdos e/ou deficiente auditivo.
2 - Objetivo Geral:
Educar o aluno surdo ou deficiente auditivo, oferecendo oportunidade para a formação do caráter, baseado em valores de paz, ética, cidadania, convivência social, saúde e, também, desenvolver habilidades práticas, necessárias à execução das mais variadas tarefas do seu cotidiano, para que adquira qualidade de vida e igualdade social.
3 - Objetivo Específico:
Desenvolver habilidades, no que diz respeito aos aspectos educacionais, tanto físico, como psicológico e social.
4 - Aspectos Pedagógicos:
Foi criteriosamente desenvolvido, onde cada exercício esportivo foi criado ou adaptado para que, por meio deles, a criança surda desenvolva simultaneamente os aspectos educacionais: físico, psicológico e social.  Distribuição sistemática de treinamento dos vários itens do aspecto esportivo, por meio do cronograma de aulas, facilitando a introdução e o aprendizado dos esportes aplicados.  Foram escolhidos os quatro esportes mais populares, não somente pelo fato de fazerem parte da nossa cultura, mas também por terem natureza democrática (com uma bola, coletes e um espaço é possível treinar centenas de crianças).  Tais esportes se completam, no desenvolvimento educacional e esportivo, pelo fato de terem aspectos diferentes, cada qual desenvolvendo um tipo de habilidade.
4.1 – Esportes e atividades físicas praticados
  • Basquetebol
  • Futsal
  • Handebol
  • Voleibol
  • Dança
  • Capoeira
4.2 – Dinamização / Estratégias
  • Nº de aula:                  Três vezes semanais
  • Duração da aula:          50 minutos
  • Sexo:                         Masculino e Feminino
  • Idade:                        A partir de 7 anos
  • Sistema de rodízio:        Dois meses consecutivos cada esporte e quatro meses para Capoeira e quatro meses para Dança
  • Local:                          Qualquer escola especial para surdo e/ou deficiente auditivo seja ela municipal, estadual ou particular
  • Forma:                        Aula de esportes e atividade física (obrigatória)
  • Horário:                      Durante o período escolar (três períodos)
4.3 – Metodologia:
4.3.1 - Cronograma

Atividades
1ª semana
2ª semana
3ª semana
4ª semana
1º treino
2º treino
3º treino
4º treino
5º treino
6º treino
7º treino
8º treino
Palestras10 min.10 min.10 min.-10 min.-10 min.-
Aquecimento10 min.10 min.10 min.10 min.10 min.10 min.10 min.10 min.
Treino Técnico30 Min.30 min.-30 min.-20 min.--
Treino Tático--  30 min.10 min.---10 min.
Treino FísicoSimultânSimultânSimultân.Simultân.Simultân.Simultân.Simultân.Simultân.
Treino Coletivo----30 min.20 min.30 min.30 min.
Nota: Em cada semana, duas aulas são destinados ao treino do Esporte, que estiver sendo ensinado, e a terceira aula é destinada à Capoeira ou Dança.
4.3.2 - Palestra
Sobre temas atuais importantes, visa a levar informação prática e científica ao conhecimento do surdo, capacitando-o a uma escolha mais seletiva de convivência social. Os principais assuntos são: Higiene Pessoal e Ambiental, Cuidados com a Saúde, Vida Familiar e Comunitária, Sexualidade e Doenças Transmissíveis, Escolaridade, Dependência Química (fumo, álcool, drogas, etc), Mundo do Trabalho, Espiritualidade, etc.
4.3.3  - Aquecimento
Obrigatório antes de qualquer atividade física e é realizado de forma recreativa.
4.3.4 - Treino Técnico
Visa ao aprendizado e aperfeiçoamento individual dos fundamentos de cada esporte.
4.3.5 - Treino Tático
Posicionamento individual e coletivo nas diversas situações de jogo:
  • Posicionamento de defesa
  • Posicionamento de ataque
  • Deslocamento
  • Marcação sob pressão
  • Contra-ataque
  • Marcação por zona
  • Marcação individual
4.3.6 - Treino Físico
Para não se tornar um treinamento sofrido e desmotivado, é realizado simultaneamente com os aspectos técnico, tático e coletivo. Somente em casos específicos serão ministrados individualmente.
4.3.7 - Treino coletivo
É o jogo propriamente dito, quando o aluno deverá colocar em prática, de uma forma sincronizada, os fundamentos de todos os aspectos esportivos e escolher o que melhor se adapta a solução das mais variadas situações que se apresentam durante a partida. Por ser uma situação real de jogo, o treino coletivo desperta sentimento contraditório como: insegurança, prazer, ansiedade, auto-afirmação, motivação, nervosismo etc.  Momento em que o aluno demonstra suas qualidades e, também, defeitos, quando o professor deverá corrigi-las individualmente, nos aspectos esportivo e educacional.
4.3.8 – Dança e Capoeira
É através de cada uma destas atividades (dança e capoeira) que o aluno terá oportunidade de desenvolver noções de ritmo e musicalidade, através dos sons graves (maior deslocamento de ar), que o aluno poderá exercitar toda sua expressão corporal e emoções, inclusive se capacitando a participar destas atividades junto com pessoas ouvintes, promovendo inclusão social além dos aspectos físico, psicológico e social.
5 - Aspectos Esportivos:
Tudo que abrange os itens relacionados com o treinamento esportivo.
  • Jogos cooperativos
  • Brincadeiras recreativas
  • Alongamento
  • Jogos participativos
5.1 - Basquetebol
  • Bate bola
  • Condução de bola
  • Passe de peito
  • Passe quicando
  • Tipos de arremesso
  • Bandeja
  • Lance livre
5.2 - Futsal
  • Passe curto e longo
  • Condução de bola
  • Domínio de bola
  • Tipos de chute
  • Cabeceio
  • Lançamento
  • Pênalti
5.3 - Handebol
  • Bate bola
  • Tipos de passe
  • Passe curto
  • Passe longo
  • Condução de bola
5.4 - Voleibol
  • Saque
  • Toque
  • Manchete
  • Cortada
  • Bloqueio
6 - Aspectos Educacionais:
São desenvolvidos por intermédio do treinamento dos aspectos esportivos e compreende todas as habilidades abrangidas pelos fatores.
6.1 - Aspectos Físicos
  • Força
  • Velocidade
  • Flexibilidade
  • Resistência
  • Fisiologia
  • Condicionamento físico
  • Estética
  • Coordenação motora
  • Aproveitamento da visão periférica
  • Orientação aero-temporal
  • Velocidade de reação visual motriz
  • Higiene
  • Sentido de direção
6.2 - Aspectos Psicológicos
  • Concentração
  • Observação
  • Velocidade de raciocínio
  • Auto-estima
  • Confiança
  • Independência
  • Responsabilidade
  • Solidariedade
  • Determinação
  • Perseverança
  • Lidar com frustração
6.3 - Aspectos Sociais
  • Respeito ao horário
  • Comprometimento com programa
  • Responsabilidade social
  • Cidadania
  • Participação social
  • Respeito às limitações (própria e do outro)
  • Igualdade social
  • Participação em grupo
  • Desenvolvimento da ética
  • Liderança
7 - Fontes de Consulta:
Cursos, palestras, clínicas, mesa-redonda com a experiência de vários profissionais nas mais variadas áreas sociais e esportivas.
8 - Etapas Organizacionais:
8.1 - 1º etapa:
Observação, estudo e debate com outros profissionais da área, tendo como base os primeiros núcleos esportivos criados. Preparação dos testes a serem realizados por profissionais experientes em grupos diferenciados de alunos, objetivando a comprovação científica.
8.2 - 2º etapa:
Aplicação dos testes elaborados, durante dois anos consecutivos.  Estudo e análise dos resultados obtidos.  A comprovação científica dos conceitos da Pedagogia e Metodologia aplicadas neste projeto.
9 – Conclusão:
O Projeto “EDUCAÇÃO INTEGRAL DO SURDO ATRAVÉS DO ESPORTE”, comprovado cientificamente, há cerca de 10 (dez) anos, beneficia mensalmente mais de mil crianças e jovens surdos entre 7 e 25 anos em 04 (quatro) escolas especiais municipais de São Paulo.
Acreditamos que, por intermédio da realização deste projeto, contribuímos para o desenvolvimento integral do surdo, tanto no que se refere aos aspectos esportivos quanto educacionais.  Acreditamos, também, que por meio da implantação do núcleo esportivo dentro das escolas com alunos surdos, estaremos dando um grande passo em prol da igualdade social e, pela prática esportiva com todos os benefícios inerentes a ela, a educação e a capacitação do surdo, tanto no sentido qualitativo como quantitativo, será uma realidade sempre presente.
Nossa maior alegria é comprovar que, a partir deste projeto, muitos surdos estão tendo mais oportunidades de conviverem com a sociedade predominantemente ouvinte, promovendo a inclusão social.
Uma observação mais apurada deixa claro que, fisicamente, o aluno surdo e o aluno ouvinte, de mesma faixa etária, estão no mesmo patamar de desenvolvimento e aprendizado, e a única dificuldade que qualquer profissional de Educação Física enfrentaria, em princípio, seria a barreira da comunicação.  Porém, ressaltamos que este entrave seria mínimo se levarmos em consideração que alguns destes alunos conseguem escutar de modo, relativamente, bem com o auxílio de aparelhos auditivos, muitas vezes sendo intérpretes para os demais.  Sem levar em consideração que, pela importância de se realizar estas atividades físicas e esportivas com todos os alunos, não seria inoportuno dizer que o custo em virtude do benefício seria nulo ou baixíssimo para qualquer município que tivesse a iniciativa de fazer parcerias ou mesmo contratar intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras), capacitados por instituições reconhecidas pelo governo, como por exemplo a Feneis – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, para desempenharem suas funções, dando suporte inicial aos profissionais de Educação Física.  E, desta forma, conseguiríamos democratizar de fato a Educação Física nas escolas, propiciando a todos, alunos surdos e ouvintes, oportunidades para se educarem e se qualificarem através do esporte no que diz respeito ao desenvolvimento: físico, psicológico e social.
Urge, portanto, que os responsáveis pelo ensino do surdo ousem, cada vez mais, mudar, criando e estabelecendo uma pedagogia educacional onde cada educador seja operante e responsável em contribuir cada vez mais com a melhoria da qualidade do ensino aos surdos.  Somente assim estaremos realizando, com responsabilidade, nossa nobre função de educadores, ao colaborarmos com a construção de uma sociedade mais justa onde todos tenham direito a verdadeira inclusão social.
10 – Equipe:
10.1 - Colaboradores:
Dr. Antonio Douglas Menon
Dr. Luís Alberto Chaves de Oliveira
Prof. Lorenzo Rosales e equipe
10.2 - Responsável Técnico: 
Prof. Aguinaldo Mota
10.3 – Idealizador e Dinamizador:
Júlio César Pereira de Souza
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, tenho vários artigos publicados, inclusive um livro contando sobre minha trajetória, chamado “JOGADAS DA VIDA”, que brevemente será lançado em todo Brasil, parte da Europa e África, apresentará mais detalhadamente como este projeto de educação do surdo pelo esporte foi desenvolvido com o objetivo de primeiro qualificar a pessoa surda para então promover inclusão social efetiva, duradoura e que venha a respeitar as diferenças entre as pessoas.
Desenvolvi, também, uma palestra com o mesmo nome do livro, que venho apresentando no setor corporativo, exemplificando sobre assuntos como escolha de objetivos, motivação, superação e, na qual, aproveito para levar conhecimento sobre cultura e necessidades da pessoa surda para toda a sociedade, inclusive o idioma Libras.  A palestra “JOGADAS DA VIDA” (também gravada em DVD com legenda) já foi assistida por mais de 50.000 pessoas em todo Brasil em pouco menos de 1 ano e mais de 2.000 dicionários ilustrados de Libras foram distribuídos entre os expectadores, disseminando em grande escala o idioma dos surdos brasileiros.
Já fui procurado por várias Universidades como FMU, GAMA FILHO, UNI-ITALO entre outras, para ministrar Cursos de Extensão Universitária, que já estarão disponíveis aos interessados a partir de 2009, bem como promover seminários, debatendo com educadores surdos e ouvintes e estudantes de Educação Físicas sobre o Projeto “EDUCAÇÃO INTEGRAL DO SURDO ATRAVÉS DO ESPORTE E ATIVIDADE FÍSICA”.  E, neste contexto, a Educação de Surdo, como um todo sempre, é objeto de muito interesse por parte de todos.  E por acreditar que todos temos responsabilidade de contribuir na construção de uma sociedade mais justa e feliz, sempre coloco em discussão o que penso sobre esse assunto.
Venho observado e refletindo muito sobre o que se faz e o que se discute a cerca da Educação de Surdo.  Percebo a grande dificuldade existente, tanto nas capitais com em cidades fora dos grandes centros, que é a viabilização de escolas especiais para surdos (Escolas de Surdos) e muitos acabam estudando em classes de ouvintes dentro de escolas comuns (Escolas Regulares), com ou sem intérpretes de Libras.
Muitos falam em manter a Escola de Surdos para que sua cultura sobreviva e para que a Libras seja mantida como instrumento de comunicação, expressão e instrução.  Como deficiente auditivo e professor de surdos trabalhando dentro de escolas especiais por anos, eu também prezo por sua manutenção, porém com melhorias substanciais, tais como, contratação do professor de Educação Física, reciclagem e capacitação dos professores e demais profissionais, bem como a contratação de professores surdos que, na minha opinião, deveriam ter a preferência na contratação. Pelo lado profissional, o professor surdo obviamente está muito mais preparado a perceber e entender as necessidades do aluno surdo, além de dominar a Libras com fluência.  Pelo lado filosófico, haveria muito mais interesse dos surdos em se formar, por saberem que teriam uma oportunidade desde que se preparassem.  Além disso, a própria estrutura e modo operante da escola especial precisa ser repensada pois algumas acabam sendo conivente com a falta de compromisso do aluno com sua própria aprendizagem, e isto, no meu ponto de vista, é um dos fatores que contribuem para a falta de preparo social e psicológico do aluno surdo para, futuramente, ingressar no mercado de trabalho e mesmo na sociedade de uma forma geral.
No caso da escola inclusiva, ela se faz ainda mais necessária devido à escassez da escola especial.  Afinal eu pergunto: Em quais cidades temos escolas especiais? Quantas existem no Brasil? São poucas as Escolas de Surdos e em muitos municípios simplesmente não existem.  E, devido ao reduzido número e/ou a distancia em que residem os surdos, em determinadas localidades, fica totalmente inviável juntá-los todos em uma única escola.  Por isso, nestes municípios, a escola inclusiva é, provavelmente, a única solução.  Além disso, serviria para aqueles alunos que vem de municípios satélites para estudar em grandes centros.   Cito como exemplo, o caso de São Paulo, onde existem escolas especiais para surdos, mas, devido a grande distância a ser percorrida pelo aluno surdo de sua residência até chegar a essas escolas, as mães acordam às 5:00 horas da manhã e vão levar seus filhos à Escola Especial, ficam até 12:00 horas esperando eles saírem.  Geralmente, ficam fazendo “tricô”, para depois pegarem seus filhos e chegarem em casa as 15:00 horas!!!! E alguns dirigentes ainda defendiam a aula de esportes após as demais aulas.  E eu perguntava: E as mães? Vão, agora, também esperando seus filhos fazerem esporte? Para chegarem em casa meia noite e no dia seguinte saírem novamente as cinco da manhã?
Creio que devemos encontrar alternativas de ensino que sirvam tanto para uma pequena cidade, como para uma grande.  Devemos respeitar o direito da pessoa surda em manter seu idioma, a Libras, assim como toda sua cultura e para isso é necessário o seu espaço de convivência, tais como associações e escolas.
Não podemos pegar 1 (um) aluno surdo e colocá-lo em uma escola de ouvintes e chamá-la de “escola inclusiva”! Pois, um surdo sozinho no mundo ouvinte, ainda é um “ET”!!!!  Precisamos ter bom senso!!!! Caso contrário estaremos revivendo os mesmos erros, que foram cometidos no passado, como com o Congresso de Milão, que obrigou o surdo a aprender pela língua oral, mas também não podemos nos fechar a novas possibilidades por temer o novo.  Ora, o passado serve para nos orientar, com os acertos e principalmente com erros,  e a própria história tem nos ensinado que o meio termo, o equilíbrio e bom senso são sempre os melhores conselheiros, principalmente em momentos de mudanças substanciais como esta que está preste a ocorrer com a Educação no Brasil, em que as pessoas com deficiência devem ser incluídos.  Além do mais, não vivemos no século XIX, sob as rédeas do autoritarismo.  Ao contrário, o que vejo é uma sociedade mais preparada e consciente sobre que cabe a ela resolver suas próprias equações sociais, onde a força do preconceito perde terreno, dia-a-dia, para o desenvolvimento pessoal e coletivo.  Portanto, nada conseguirá ser implantado sem a participação de nós, surdos e deficientes auditivos.  Por isso não vejo o menor motivo para medos exacerbados.
O que devemos é debater amplamente entre todos sobre o que é melhor para que os surdos tenham real acesso à educação em todo país, respeitando-se a maneira própria quer têm para aprender para que se qualifiquem e se capacitem a conviver dentro da sociedade. 
E que tudo isso seja feito forma menos separatista possível, temos que romper uma das maiores barreiras ao desenvolvimento que é a falta de informação das reais necessidades da pessoa com deficiência pela sociedade.  Por isso, devemos cada vez mais, promover oportunidades para que todos saibam como, onde e quando podem colaborar e ser um agente facilitador do desenvolvimento das pessoas com deficiência de uma forma geral.
Poderíamos, por exemplo, contar com uma ou mais Escolas Inclusivas, em cada município, em que menos 20% à 30% dos alunos surdos estudassem junto com os alunos ouvintes, seja em classes especais ou em classes regulares. A escola especial para surdos permaneceria até o final do Ensino Fundamental.  A promoção de festivais, jogos e campeonatos com escolas de ouvintes poderiam ser, periodicamente realizados, incentivando o intercâmbio e a convivência entre ambas.
Entretanto, muito importante é considerar a Escola Inclusiva como o local com classes especiais para os alunos surdos, desde o início do Ensino Fundamental (com ensino através de Libras), com um grande número de alunos surdos interagindo diariamente com alunos ouvintes no dia-a-dia-escolar.  Esta poderia ser a forma mais adequada de se fazer a inclusão educacional e social.  E as aulas usadas para promoção da convivência entre surdos e ouvintes, seriam as de Artes e Educação Física, matérias onde todos os alunos (surdos e ouvintes) poderiam interagir muito bem, mesmo com as dificuldades iniciais de comunicação.  Vale lembrar ainda, que a criança tem muito menos preconceito que o adulto e muito maior facilidade no aprendizado.  Tirando isso como base, podemos imaginar que em muito pouco tempo a Libras seria fortemente disseminado na comunidade ouvinte, até pelo fato de ser uma língua de modalidade diferente, despertaria um enorme interesse de aprendizado pelas crianças ouvintes, desde que fosse criando um ambiente favorável para isto.  Assim sendo, a criança ouvinte desde cedo iria conviver com as reais necessidades da criança surda e iria incorporar parte de sua cultura, inclusive a Libras.  Também, podemos imaginar que as crianças surdas desenvolverão melhor a língua portuguesa e conseqüentemente conseguirão fazer uma melhor “leitura labial” tão importante para ele interagirem no mundo, que é predominantemente ouvinte, no qual também irão assumir como sua a cultura ouvinte.
Para confirmar esse posicionamento, cito como exemplo, o que vivenciamos quando esse PROJETO ainda era somente direcionado ao ensino de “futebol de campo” e a Prefeitura de São Paulo, tinha contratado 60 ex-jogadores, que criaram escolas de futebol na periferia de SP e somente eu fui desenvolver o projeto com surdos.  Todos os anos aconteciam o campeonato com todos os 60 times, dividido por região: Zonas leste, norte, sul e oeste e, aí, se cruzando até as finais.  Após qualificar os surdos e vencermos um quadrangular histórico do time dos ouvintes em minha região, conseguimos colocar o time de surdos para disputar o campeonato no meio de 60 times de ouvintes.  No começo, fomos motivo de “gozação” dos ouvintes que não estavam acostumados com o surdo, principalmente ver uma conversa em Libras, e depois eles não aceitavam facilmente perder para nós e.os próprios técnicos dos times de ouvintes, ex jogadores, apitavam os jogos e “roubavam no apito” quando se sentiam ameaçados. O ouvinte na realidade já aceitava dividir seu espaço com o surdo, mas não ser vencido por ele! Entretanto, isso não ocorre somente de ouvinte para surdo, mas entre toda e qualquer pessoa, que se sente ameaçada, pois isso mexe com o pior defeito do ser humano: A VAIDADE.  Porém, quando começamos a vencer alguns jogos, todos viram que seria inevitável nossa vitória e a própria presença do time surdo, que passou a não ser mais novidade, acabaram as “gozações” e “roubalheiras” e ficou uma coisa comum.  Até os garotos ouvintes começaram a ver mais naturalmente isso e até a tentar se fazer entender pelos surdos através de gestos, interessando-se em aprender algumas palavras em Libras.
Então, partido disso, digo que a naturalidade vem da convivência diária e isso gera respeito às diferenças.  E é por isso que acredito na Escola Inclusiva.  Entretanto, para obter êxito, precisa de muito planejamento e de muita ação no sentido dos surdos serem vistos como pessoas capazes, tanto quanto os ouvintes.  Já temos experiências gratificantes a este respeito em algumas escolas com boa estrutura onde alunos surdos, após o ensino fundamental, têm se destacado entre tantos ouvintes.
Considero que, somente assim estaremos de fato preparando o surdo para viver, plenamente, em uma sociedade em que seja respeitado pelas suas necessidades e, também, tenha a responsabilidade de se preparar para promover uma comunicação mais abrangente, criando para si próprio muito mais oportunidades pessoais, sociais, profissionais, intelectuais, enfim de todas as formas que o ser humano necessita para sentir-se pleno e feliz.
Faço estas afirmações, baseado em anos de pratica educativa com os alunos surdos e baseado em minhas palestras, que venho apresentando no setor corporativo de todo Brasil, onde entre tantos outros assuntos de interesse comum como, futebol e espiritualidade, o que maior interesse que percebo nas pessoas é sobre a inclusão social da pessoa surda.  Geralmente, cerca em 90% horário destinado aos debates, após a palestra, as pessoas buscam com avidez conhecimento sobre a cultura surda, o que demonstra que a sociedade está mais preparada para receber o surdo como um igual, respeitando seus direitos e suas necessidades.  E é pela educação de todos e pela informação que vamos construir uma sociedade congregadora das diversidades.
Em http://www.craquesdesempre.com.br/noticias3.htm, encontra-se um relatório sobre o que se passou no festival de surdos, que envolveu 10 escolas e mais de 3.000 surdos, por iniciativa da Prefeitura de SP através da secretaria de educação especial.  Na ocasião, conseguimos convidar o Colégio Rio Branco, PUC DERDIC e Santa Teresinha, que por serem particulares, têm muito melhor estrutura nesta área que as nossas escolas especiais municipais.  Entretanto, as 3 (três) escolas em que nosso projeto é ministrado superaram todas as expectativas não só sociais (comportamento dentro e fora das quadras), como também esportivo, participando de 95% de todas as finais de handebol e futsal em todas as categorias, comprovando a eficácia e o diferencial pedagógico de nosso projeto em comparação com aula comum de Educação Física.
Este amplo debate que nos encontramos para definir a implantação ou não da Escola Inclusiva, a forma de manutenção das Escolas de Surdos (escolas especiais) deve de fato continuar de forma ética e que venhamos encontrar o que for melhor, neste momento, para a educação de todas as pessoas com deficiências.  Acreditamos que este projeto esportivo/educacional, possa ser um dos caminhos para qualificar o aluno surdo e coloca-lo no mesmo patamar técnico que o aluno ouvinte, mas para isso precisa ser de fato implantado e ministrado por professor qualificado seja na Escola Especial ou mesmo Escola Inclusiva, uma vez que o projeto pode ser ministrado para ambas.
Por anos de experiência ministrando aulas de esporte e atividade física para surdos, tenho a certeza que esta matéria, se bem desenvolvida, teria mais possibilidades para “alavancar” a inclusão social tão desejada por todos, afinal é a matéria em que o aluno seja surdo ou não, realiza com enorme prazer, tirando todas as barreiras comunicativas e pedagógicas que possam existir ao aprendizado, ficando aberto a receber todo os conceitos educacionais que o educador deverá então passar, inclusive sobre a responsabilidade social e filosófica que temos uns com os outros, de nos ajudar, amparar e facilitar enquanto sociedade.
JÚLIO CÉSAR PRADO PEREIRA DE SOUZA
Ex-atleta profissional, instrutor de futebol de campo, auto-didata em educação de surdos, palestrante e escritor, inclusive, em breve, lançará o livro “JOGADAS DA VIDA” com mais detalhes sobre o PROJETO “Educação Integral do Surdo através do Esporte”.

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