quinta-feira, 31 de março de 2016

Cultura Surda

Cultura Surda

É tarefa difícil definir cultura surda. Podemos vislumbrar um conceito como um movimento social, formado a partir de uma minoria linguística, que está em oposição à cultura e ideologia dominantes. Os surdos procuram conviver harmoniosamente com grandes diferenças, dentre elas a mais marcante, a linguística. Esta comunidade está sempre procurando fazer valer os seus direitos políticos e sociais, lutando contra o estigma, o estereótipo, a deficiência, o preconceito, e o poder do ouvintismo.

O que poderia ser um caminho por parte da nossa sociedade predominantemente ouvinte seria o amadurecimento da consciência de que a diversidade é fator contribuinte e não ameaça a cultura de um povo; aprender a respeitar a cultura surda como parte integrante de nossa cultura coletiva, e, consecutivamente; o reconhecimento e a valorização da identidade cultural surda como uma ferramenta apta a contribuir para o desenvolvimento de nossa cultura global.

Vivemos no século 21, portanto é conveniente que adotemos uma nova perspectiva em relação a um futuro cada vez mais próximo. E uma nova perspectiva implica preencher um espaço que outrora fora habitado por uma concepção concordante com a mentalidade vigente da época, mas que atualmente torna-se ultrapassada e não deve mais se sustentar, em seus alicerces ruinosos que não mais se alinham à superfície das novas descobertas.

Dentre as características mais marcantes da cultura surda, além da língua, temos astecnologias (TDDaparelho auditivoimplante coclearClosed Caption, alerta luminoso ou vibratório em telefones e campainhas) e os artefatos culturais (poesia, contos surdos) que muito traduzem a visão que o surdo tem do mundo e como pode contribuir com ele.

Verbos de Ligação na Libras

Verbos de Ligação

Chamados também de verbos auxiliares, e ao contrário dos verbos significativos, sos verbos de ligação são responsáveis por fazerem a ligação do sujeito com o predicado e normalmente não têm o sentido principal da frase, denotando não a ação, mas o estado, a qualidade, a condição ou a situação do sujeito. Por isso, na Libras são geralmente omitidos da frase. 

Principais verbos de ligação:
SER
ESTAR
FICAR
TER
HAVER
CONTINUAR
PERMANECER
PARECER
ACHAR
ENCONTRAR
ANDAR
TORNAR-SE

Nem sempre os verbos acima serão de ligação. Para fazermos uma correta análise, é preciso verificar o contexto em que estes verbos estão inseridos. Vamos usar como exemplo os verbos ANDAR e CONTINUAR:

Exemplo 1 (ANDAR)
O homem anda depressa.
Andar neste contexto significa modo, maneira que o homem anda. É um verbo de ação (portanto não poderá ser de ligação). Aqui andar é verbo intransitivo.

O homem anda preocupado.
Nesse caso andar indica o estado em que o homem se encontra. Logo, trata-se de um verbo de ligação.

Exemplo 2 (CONTINUAR)
Ela continua feliz. Indica estado. Verbo de ligação.
Ela continua sua tarefa. Indica ação. Verbo transitivo direto.

Um Paralelo entre a Libras e o Português

Um Paralelo entre a Libras e o Português



Pontos em Comum:

a) Ambas são sistemas de comunicação.
b) São línguas naturais desenvolvidas por usuários nativos.
c) São constituídas de níveis fonológicos (quirológicos) sintáticos e semânticos.
    Fonológicos = Fonema
    Querenas = Grego: Kirós = Mãos
    (Estudo dos movimentos das mãos)
d) Apresentam arbitrariedade ou convencionalidade.
    Ex: LS - ver é feito com “V”
                errar é feito com “P”
    Ex: LP - cachorro não se chama “AU AU”
                por que janela se chama “janela”?
e) São dotadas de dupla articulação. Duas unidades mínimas sem valor contrastivo
    podem criar uma unidade mínima de valor contrastivo.
    Ex: VA (Sem acento não tem significado)
         CA (Sem acento não tem significado)
         VA + CA = VACA (valor com significado)
f) Apresentam variantes regionais (LP = idiossincrasia, LS = tautologia).
    Ex: LP - mandioca = macaxeira = aipim
          LS - branco, azul, verde
g) Ambas são estruturais e funcionais.
h) Os usuários nativos de Libras adquirem a linguagem tão rapidamente quanto as
    crianças brasileiras adquirem a Língua Portuguesa.
i) Palavras (sinais) que têm dois ou mais sentidos diferentes (polissemia).
    Ex: LP - manga (fruta, pasto, de camisa)
          LS - não-pode, não dá, ocupado.
                doce, açúcar, sobremesa.


Algumas Diferenças Básicas Próprias da Libras:

a) Sinais correspondentes a uma configuração de mão (letras ou números) oriundos
    do Alfabeto Manual.
    Ex: “C” = depressa, quente, cunhado, tio
          “4” = acusar, quarta-feira, conhecer
          “Y” = bobo, triste, sofrer, vaca
b) Sinais simples pela mão direita.
    Ex: amigo, avião, sábado
c) Sinais compostos de dois ou mais sinais.
    Ex: faqueiro = caixa + guardar + faca + garfo + colher
          piloto = homem + dirigir + avião
          mãe = mulher + bênção
d) Sinais que podem ter dois ou mais movimentos diferentes realizados
    simultaneamente ou movimento de uma das mãos sobre outra parte
    do corpo parado.
    Ex: cadeira, nervoso, papel, chocolate
e) Sinais que podem ter dois movimentos iguais realizados ao mesmo tempo.
    Ex: empregada, diferente, namorar, feriado
f) Sinais que não apresentam movimento de mãos. Só da face.
    Ex: roubo, ato sexual
g) Sinais com sentidos diferentes, mas mantém a mesma forma em Português.
    Ex: FALTAR/FALTA:
          Ausência - Ele faltou à aula.
          Insuficiência - Está faltando arroz.
          Falta em esporte - Zico cobrou a falta com perfeição.
          APAGAR:
          Desligar - Por favor, apague a luz.
          Limpar - Apagar o quadro negro.
          Fechar - Ela apagou o gás.
h) Frases formadas a partir de um único sinal.
    Ex: Estou com dor de cabeça. LS = dor-de-cabeça
          Quantos anos você tem? LS = idade
i) Sinais que com uma mesma representação manual podem ter
   significados diferentes quando associados à expressão facial diferente.
   Ex: não-pode # cair-do-cavalo # ocupado
         egoísta # problema meu # deixa comigo
j) Expressões idiomáticas da LP que não encontram sinal correspondente
   em Língua de Sinais.
  Ex: “cair de gaiato”, “pernas, para que te quero”, “dando sopa”, “vai tomar
  banho!”, “chá de cadeira”, “chorar o leite derramado”, “isso são outros
  quinhentos”, “entrar pelo cano”.

Alfabeto Manual e Datilologia

Alfabeto Manual e Datilologia

O Alfabeto Manual é um tipo de sistema manual de representação quer simbólica, quer icônica, das letras e da ortografia dos alfabetos das línguas orais. Em todo o país o alfabeto é o mesmo. É formado por uma série de configurações de mão que correspondem às letras e números da língua escrita. O Alfabeto manual é pouco utilizado pelos surdos, principalmente os que têm pouco domínio sobre a língua escrita.

Datilologia é a arte de digitação, ou soletração do Alfabeto Manual. A datilologia, assim como a ortografia, precisa ser aprendida e treinada.
É utilizada para:
  • traduzir nomes próprios, de pessoas, lugares, palavras que ainda não possuem sinal, ou identificar coisas novas, ambientes e pessoas que ainda não tiveram contato com a Libras;
  • auxiliar na intercomunicação entre duas línguas diferentes, explicando o significado de um sinal a um ouvinte ou ainda explicar ao surdo a forma escrita de uma palavra em língua portuguesa.

O alfabeto manual, apesar de configurar-se como empréstimo linguístico, é um instrumento de grande valia para o processo de aquisição do português como L2, sendo utilizado como um meio para verificação, questionamento ou veiculação da ortografia da língua oral.


Soletração Rítmica ou Sinais Soletrados

Soletração Rítmica ou Sinais Soletrados


É um estágio da datilologia que apresenta forma, ritmo e movimento próprios. Algumas palavras parecem transformar-se em sinais (sinal soletrado), equivalendo ao timbre das palavras. Quase sempre há supressão ou aglutinação de letras. Ocorre frequentemente em nomes próprios e geralmente é derivada de empréstimo linguístico da Língua Portuguesa.
Alguns sinais são realizados através da soletração expressa, uso das iniciais das palavras, cópia do sinal gráfico pela influência da língua portuguesa escrita. Estes empréstimos sofrem mudanças formativas, e acabam por se tornar parte do vocabulário da Libras.
Ex: N-U-N-C-A ou N-U-N = “nunca”,
B-R = “bar”, S-L = “sal” ou “sol”,
A-Z-U-L = A-Z-L = A-L = “azul”.

MAIS EXEMPLOS DE SR:
SE = S-I (MV para frente, O.M. para baixo)
PAI = P-I (indicador tocando o buço e MV para frente com rotação do pulso)
SAL / SOL = S-L (a diferença está no P.A. S-O-L > mais alto, S-A-L > mais baixo)
VOVÔ = V-O-V-O (usando dedos polegar, indicador e médio, unindo as pontas dos dedos 2x)
VAI = V-AI (O.M. para baixo, dedos apontados para frente, com MV para frente)
SUCO = S-U-C-O (U horizontal, com a O.M. para baixo, C com O.M. para frente, e MV de rotação do pulso para fora e para dentro)


ALGUMAS REGRAS GRAMATICAIS CONHECIDAS

1 - Formas:
     a) Arco lateral
     Ex: O-I, L-U-I-Z, A-V, R-U-A, R-I-O, D-R, D-I-A, B-R, O-U-R-O
     b) Arco para frente e para baixo
     Ex: F-I-M

2 - Monossílabos tônicos: soletrados para cima.
     Ex: P-O-´, P-A-´

3 - Monossílabos terminados em “S” ou “Z”: são soletrados para baixo.
     Ex: G-A-S, G-I-Z

4 - Palavras terminadas em “U” e “X”: há inversão da O.M.
     Ex: O-U, V-I-U, E-X, M-A-U

5 – Palavras terminadas em R e L: têm o movimento final alongado.
     Ex: M-A-R, S-O-N-A-R, M-E-L, V-A-R-A-L


Referencial Bibliográfico:
http://www.ines.gov.br
Sueli R. Segala e Catarina K. Kojima - lÍNGUA DE SINAIS - A Imagem do Pensamento
Karin Strobel e Sueli Fernandes - ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS

Empréstimos Linguísticos da Libras

Empréstimos Linguísticos

A Libras, como as demais línguas, também incorpora léxico de outras línguas. Existem casos em que a língua de sinais faz o empréstimo de palavras de uma língua oral, e o fazem através da soletração manual. Exemplos como A-Z-U-L, N-U-N-C-A, O-I, V-A-I, seriam empréstimos que já foram incorporados ao léxico da Libras.

A soletração manual não é, evidentemente, o processo único de formação dos vocábulos (sinais) em LIBRAS. Aliás, é responsável por uma parte pequena do léxico de sinais da Libras. A soletração manual das letras de uma palavra em português é a mera transposição espacial dos grafemas de uma palavra da língua oral, por meio das mãos; apenas um dos meios de se fazer empréstimos em LIBRAS. Assim como a palavra “xerox”, em português, é um empréstimo do inglês, o exemplos citados ilustram o fenômeno do empréstimo em LIBRAS, pois, na maioria dos casos, existe o sinal correspondente à situação, ao objeto ou à ideia e não é necessário usar a soletração manual.

Os Empréstimos Linguísticos podem ser:

a) LEXICAIS: como o alfabeto Manual;

b) DE INICIALIZAÇÃO: onde a configuração de mão é representada pela letra inicial correspondente à palavra em português (GOIÁS > CM=G), e, segundo Brito [BRI 95], há também o empréstimo de itens lexicais;

c) DE OUTRAS LÍNGUAS DE SINAIS: que se referem a sinais cuja origem é um sinal em outra língua, geralmente um sinal de mesmo valor semântico (ANO > ASL, VERMELHO > LSF), há empréstimos;

d) DE DOMÍNIO SEMÂNTICO: identificado na maioria dos sinais referentes a cores;

e) DE ORDEM FONÉTICA: que são obtidos pela tentativa de representação visual do som que constitui a palavra em português, tal como são percebidas pelo surdo.


Referencial Bibliográfico:
Karin Strobel e Sueli Fernandes - Aspectos Linguísticos da Libras - SEED-PR
Lucinda Ferreira Brito - (1995)

Processo Anafórico Língua de Sinais

Processo Anafórico

Processo Anafórico, Anaforismo, Shifting ou Role-Play, é o recurso da Língua de Sinais que possibilita ao narrador, através de mudança de postura corporal, incorporar diferentes personagens de uma narrativa.

Para o intérprete, em um discurso conversacional quando existe a troca de mensagens entre dois ou mais usuários, importante o domínio da técnica do anaforismo. Porém, este recurso exige excelente capacitação para assumir diferentes corporeidades em um único setting de tradução.

Todos os objetos imaginados e criados nos campos anafóricos (construção tátil) e processos anafóricos (shifting ou role-play) exigem um poder de concentração extremo para serem utilizados e mantidos nos lugares corretos, para que os surdos compreendam claramente os textos e a relação entre esses ersonagens.

São processos anafóricos exagerados, onde o intérprete se perde em seu delírio de projeção. Quando uma interpretação carece de fundamento coerente, real, equalizado, ela se torna incapaz de prender a atenção dos surdos; pelo contrário, acaba por lhes despertar sentimentos imediatos de estranheza e, consequentemente, rejeição.

Sistema de Transcrição da Língua de Sinais

Sistema de Transcrição

A transcrição é uma forma de documentar a língua sinalizada através da convenção de um sistema de notação com palavras e símbolos. Trata-se de uma ferramenta importantíssima nos estudos surdos da Língua de Sinais, pois permite representar linearmente a LIBRAS, que é espacial, visual e tridimensional, registrando detalhadamente o que foi dito e como foi dito com todos os elementos e recursos linguísticos utilizados pelo falante de LIBRAS.

PALAVRA EM LETRA MAIÚSCULA: Sinal simples, item lexical
- L-E-T-R-A-S MAIÚSCULAS SEPARADAS POR HÍFEN: Datilologia
L-E-T-R-A-S MAIÚSCULAS SEPARADAS POR HÍFEN EM ITÁLICO: Soletração Rítmica, sinal soletrado, empréstimo linguístico.

- PALAVRAS-UNIDAS-POR-HÍFEN: Sinais compostos oriundos da Língua Portuguesa ou quando traduzidos com mais de uma palavra da LP. Ex: negações.
@ ARROBA: Designar ausência de desinência de gênero e número.
^ CIRCUNFLEXO: Sinais compostos da LSB representados por duas ou mais palavras da LP, com a idéia de uma única coisa.
SOBRESCRITO: Incorporações de advérbios ou intensificadores e traços não-manuais feitos simultaneamente aos sinais representando tipos de frase (afirmativa, negativa, exclamativa, interrogativa e imperativa).
SUBSCRITO: Concordância dos Classificadores, verbos que possuem concordância de gênero (pessoa, coisa, animal).
: DOIS PONTOS: Alongamento do sinal.
(( )) DUPLO PARÊNTESIS: Comentários do(a) pesquisador(a).
+ “MAIS”APÓS PALAVRA: Marca de plural feita pela repetição do sinal.
 (+) “MAIS” ENTRE PARÊNTESIS: Pausas ou silêncios.
EH, AH, IH, MHN, AHÃ: Pausas por hesitação.
(...) RETICÊNCIAS ENTRE PARÊNTESIS: Transcrição parcial ou eliminação.
/.../ RETICÊNCIAS ENTRE BARRAS: Traços não manuais e outros.
# CERQUILHA: Turnos simultâneos.

Os verbos que possuem concordância de lugar ou número-pessoal, através do movimento direcionado, estão representados pela palavra correspondente com uma letra em subscrito que indicará:
a) a variável para o lugar:
i = ponto próximo à 1a pessoa
j = ponto próximo à 2a pessoa
k e k' = pontos próximos à 3a pessoas
e = esquerda
d = direita

b) as pessoas gramaticais:
1s, 2s, 3s = 1a, 2a e 3a pessoas do singular
1d, 2d, 3d = 1a, 2a e 3a pessoas do dual
1p, 2p, 3p = 1a, 2a e 3a pessoas do plural

UM SINAL EM BAIXO DO OUTRO (m.e.)
UM SINAL EM BAIXO DO OUTRO (m.d.) Sinal dobrado com as duas mãos, que originalmente é feito somente com uma das mãos, ou dois sinais estão sendo feitos pelas duas mãos simultaneamente, serão indicados com indicação das mãos: direita (md) e esquerda (me).

Referencial Bibliográfico: Felipe (1988, 1991,1993,1994,1995,1996)

Variações Linguísticas (dialetos) Libras

Variações Linguísticas (dialetos)

Apesar de ainda não haver estudos conclusivos sobre variações linguísticas na Libras, podemos discorrer pelos aspectos mais relevantes e ampliarmos um pouco nossa visão sobre regionalismo. Muitos leigos, equivocadamente, têm a Língua de Sinais como universal. Deste tópico já tratamos no tema “A Universalidade das Línguas de Sinais”. Outros imaginam que a Língua de Sinais falada no país é uniforme e padronizada. Eis aqui outro grande equívoco. 
Os principais fatores desencadeantes deste processo são: cultural (literatura, artefatos), - tema bem abordado por Karin Strobel em seu livro “As Imagens do Outro Sobre a Cultura Surda”, geográficoeconômico e principalmente social(oportunidade, preconceito, discriminação). Neles estão contidas as explicações para as variações, não só de léxico, vocabulário, mas também, e principalmente no aspecto morfológico e semântico. Se ignorarmos estes pormenores, deixaremos de reconhecer as muitas diferenças de vocabulário, expressões idiomáticas, gírias locais, dialetos (ramificações de uma determinada lingua relacionada a uma região), polissemias e até mesmo de sotaque. Por isso devemos colocá-los todos como coresponsáveis para uma análise mais ampla e realista do retrato nacional da Libras e suas variantes.
A maneira como as pessoas de regiões diferentes enxergam o mundo, ainda que num mesmo país, difere em muito. A bagagem sociocultural de cada indivíduo e sociedade interferem na elaboração do signo, seja na criação do significante ou na produção do significado.

A psicóloga Walkiria Duarte Raphael, uma das autoras do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Edusp, 2001), afirma “a unidade linguística é um mito mesmo na linguagem por sinais”.
No passado, o isolamento era grande. Os sinais eram passados de geração a geração e se restringiam à representação do cotidiano, nada muito específico. Hoje, a presença no ambiente escolar tem estimulado a criação de muitos novos sinais, já que há disciplinas e termos técnicos, além de permitir o contato do estudante com os sinais de outras regiões.
Mas nem sempre os surdos encararam com bons olhos o contato com sinais de outras regiões, percebemos que diante de um termo diferente os surdos tendiam a dizer que aquele sinal estava “errado”. Hoje, as variações são mais aceitas. - A própria comunidade surda tinha uma rixa. Daí a resistência dos surdos em aceitarem sinais de outras culturas. Tínhamos de convencê-los de que aquele sinal era representativo para determinada região. Havia bairrismo – diz.

É inegável a influência da Língua Portuguesa, que acaba por determinar a constituição de vários elementos semânticos, estruturais e discursivos da Língua de Sinais. Isso não deixa de acontecer também no universo das gírias.
Mas, a despeito de todas estas diferenças, todos os usuários da Libras conseguem comunicar-se uns com os outros e entendem-se bem, apesar de não haver sequer dois que façam sinais da mesma maneira - explica a linguista Lodenir Becker Karnopp.
Há, sim, uma tentativa de padronização das associações de apoio ao surdo. Há muitos sinais que já são padronizados e usados em congressos, por exemplo. Mas é preciso respeitar a diversidade - comenta Walkiria Duarte. A mesma diversidade, aliás, que torna a Libras e a Língua Portuguesa admiradas pelos seus usuários.

Fonte: Walkiria Duarte Raphael, Lodenir Becker Karnopp, Karin Lilian Strobel emhttp://www.jorwiki.usp.br/gdmat08/index.php/Regionalismos_da_l%C3%ADngua  


Abaixo, definições teóricas dos dois tipos de dialetos encontrados na Libras:


Dialeto Regional
Ocorrem grandes diferenças na composição do sinal devido a origem regional de um mesmo país. (regionalismo) (LP: idiossincrasia, LS: tautologia).

Dialeto Social
Ocorre variação morfológica, onde certos traços da língua (CM, PA, MV, DM, OM, RC) sofrem pequena variação. Isto se deve geralmente às diferenças culturais, educacionais ou sociais.

Componentes da Língua de Sinais

Componentes da Língua de Sinais

1. Parâmetros Primários:
a) Configuração Das Mãos (CM): A forma que a mão assume na realização de um sinal. Ex: Telefone( Y ) / Branco ( B )
b) Ponto De Articulação (PA): É o espaço onde são articulados os sinais: em frente ao corpo (neutro) ou uma região do próprio corpo (cabeça, tronco, braços e mãos). Ex: Sábado (Boca); Aprender (Testa). Trabalhar e Brincar (Neutro).
c) Movimento (MV): Parâmetro complexo que pode envolver uma vasta rede de formas e direções. Caracterizado pelo deslocamento das mãos no espaço na realização de um sinal. Ex: Semana (translação); Quando (rotação).



2. Parâmetros Secundários:
a) Disposição da(s) Mão(s) (DM): A articulação dos sinais pode ser feita apenas pela mão dominante ou pelas duas mãos. Neste último caso as mãos podem se movimentar para formar o sinal, ou então apenas a mão dominante e a outra funciona como (PA) ou é neutra.
b) Orientação da(s) Mão(s) (OM): É o que determina a posição das palmas das mãos, se voltadas para baixo, para cima, para esquerda, para direita, podendo haver mudança na orientação durante a execução do movimento. Direção, idéia de oposição, contrário ou concordante.
c) Região de Contato (RC): Refere-se à parte da mão que entra em contato com o corpo.



3. Componentes Não Manuais da Libras:
a) Expressão Facial (EF): A expressão facial tem o papel de indicar diversos elementos que não podem estar presentes nos sinais como: pontuação, emoção, ênfase, ironia, etc. É importante utilizar uma expressão fisionômica adequada para que as emoções implícitas nas frases sejam bem compreendidas. Elas devem ser utilizadas simultaneamente com os sinais. 
  • Afirmação: Neutra 
  • Interrogação: Sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da cabeça inclinando-se para cima.
  • Exclamação: Sobrancelhas levantadas; ligeiro movimento da cabeça inclinando-se para cima e para baixo; boca fechada com movimento para baixo (intensificador).
  • Negação: Possui 4 (quatro) formas básicas:
        a) Simultaneamente ao sinal, movimento negativo com a cabeça e expressão 
            facial. (recomendado)
        b) Incorporação de um sinal com movimento contrário.
            Ex: Gostar, Querer, Aceitar.
        c) Incorporação de um sinal específico de verbo negativo.
            Ex: Poder, Ter.
        d) Acréscimo do sinal “NÃO” após o verbo. Exceto casos b e c.

b) Expressão Corporal (EC):
As Línguas de Sinais utilizam-se das expressões faciais e corporais para estabelecertipos de frases equivalentes aos recursos de acentuação da língua portuguesa que definem os modos em que se encontram as frases. Por isso, é importante dedicar muita atenção às expressões faciais e corporais feitas simultaneamente aos sinais, a fim de identificar o modo em que se encontra a frase, além de agregar ricos valores gramaticais.

Nomenclaturas em Libras

Nomenclaturas

Nunca use o termo SURDO-MUDO! Além de ter conotação pejorativa, não traduz a realidade de fato. Surdez e mudez são coisas distintas e raramente encontra-se a ocorrência de ambas em um único indivíduo. A forma mais bem aceita para designar um surdo é "SURDO". Se estiver fazendo mensão a outras áreas, pode-se utilizar a expressão "PESSOA(S) COM NECESSIDADES ESPECIAIS"
E não se esqueça de evitar rótulos como DA (deficiente auditivo), PPD (pessoa portadora de deficiência), PNE (portador de necessidades especiais), PCD (pessoa com deficiência), etc. Fazendo assim você estará contribuindo para que a cultura surda seja respeitada.

Você Sabia?

Você Sabia?

De acordo com o Senso 2000 do IBGE a população surda brasileira é de 3,4%, sendo que declaradamente este índice não passa de 1%, cerca de 170.000 pessoas.

Já no Senso 2010 temos a cifra de 5,1 % ou seja: 9.722.163 pessoas com algum grau de surdez. Uma realidade bem diferente. Não que esta diferença tenha ocorrido de 2000 para 2010. Mas, pela mudança expressiva nos critérios de pesquisa, que agora contam com um questionário bem mais abrangente, o que possibilitou uma visão bem mais realista sobre a população surda brasileira atual.

Datas Comemorativas libras

Datas Comemorativas

23 de Abril - Dia Nacional da Educação de Surdos
24 de Abril - Dia da Libras
26 de Julho - Dia do Intérprete de Libras
10 de Setembro - Dia Internacional de Valorização das Línguas de Sinais
21 de Setembro - Dia Nacional da Pessoa com Deficiência
26 de Setembro - Dia do Surdo
30 de Setembro - Dia Mundial do Surdo
10 de Novembro - Dia Nacional da Surdez
03 de Dezembro - Dia Internacional da Pessoa com Deficiência
09 de Dezembro - Dia do Fonoaudiólogo
10 de Dezembro - Dia da Inclusão Social

Sistemas de Classifcação em Libras

Sistemas de Classifcação

Sistemas de Classificação são estruturas complexas e ainda muito pouco exploradas pelos ouvintes intérpretes porque dependem de elementos próprios da cultura surda, os quais não são meramente aprendidos a partir da imitação, como acontece com a maioria dos sinais. Por isso os ouvintes têm mais dificuldade em reproduzi-los do que os surdos que o fazem naturalmente ancorados pela sua base cultural natural.
Enfatizando essa idéia de complexidade, reitero ser este estudo uma mera base estrutural que nos ajudará a compreender um pouco deste vasto campo de estudo composto pelos Sistemas de Classificação. Para isto, é válido lembrar que existem algumas regras que permeiam esta ferramenta valiosíssima da Língua de Sinais. Por exemplo, as (C.M.) utilizadas para cada objeto ou ação representada.

“D” para pessoa
“5” para animal
“C” para objetos cilíndricos
“1” para formas geométricas
“B” para superfícies planas
“Y” para objetos multiformes e irregulares
“G” para objetos finos e longos

Sistemas de Classificação são conjuntos de elementos visuais, entre os quais se podem encontrar ou definir relações para a visualização da imagem mental. Essa comunicação não-verbal, a icônica, não fala apenas no plano consciente, mas, consegue chegar às profundezas do inconsciente.
Baseando-se em sistemas de classificação, os surdos visualizam uma imagem mental configurando com as mãos, e retratam a imagem para manter uma comunicação com mais clareza de detalhes. Os traços essenciais desses sistemas com movimentos e ritmos de imagens, articulados num ícone apresentam relações análogas para a comunicação, que é formada a partir de cortes, descrição de um objeto, pedaço de uma cena ou ação, e as relações de umas com as outras, formando um painel de mosaicos com fluência e ritmo.
Não há forma sem significado, nem significado sem forma. Essa semântica, esse significado peculiar é que retrata tanto a ação como a descrição em estruturas funcionais. Porém o significado de uma forma depende do repertório, e este é o significado real da linguagem. Mas, esse repertório varia de pessoa para pessoa, dependendo da vivência e da cultura de cada um, e a cultura depende da faixa sócio-econômica em que se situa a pessoa, pois a formação e a informação dependem de muitos outros fatores.

Os Sistemas de Classificação nos permite explicar com clareza, frases, palavras, coisas e situações que não possuem sinal próprio.

A divisão que apresentamos a seguir é meramente didática, pois os sistemas se interligam e se intra-relacionam intrinsecamente. Essa tomada de imagens segue certa sequência que não se pode traduzir palavra por palavra, pois a estrutura da Língua Portuguesa é diferente da Língua de Sinais.

a) Sistema Descritivo: Toda e qualquer descrição, poderá valer-se do uso de figuras geométricas. Esta descrição deverá expor minuciosamente os elementos visuais (forma, tamanho, textura e se precisar, a cor) e traçar a figura geométrica do desenho do objeto.
b) Sistema Específico: Este sistema deve retratar características especiais, com explicações minuciosas, esmiuçar as particularidades das partes do corpo dos seres animais. Ex: forma e tamanho dos pelos(comprido, curto arrepiado).
c) Sistema Funcional: Deverá reproduzir a imagem da ação, a maneira como um corpo ou parte do corpo age e atua. Esse movimento, configurado com as mãos, deverá retratar o comportamento e/ou funcionamento de qualquer corpo. Ex: mordida de animais, movimento dos olhos, trejeitos.
d) Sistema de Locação: Deverá reproduzir a imagem de como um corpo se relaciona num determinado lugar, definindo posições, localizações e expressões dessa correspondência. Ex: sobre a mesa, no ar, no céu, etc.
e) Sistema Instrumental: Deverá reproduzir a imagem de como se serve, se utiliza alguma coisa. Ex: vassoura varrendo, gaveta abrindo, abrindo tampa de garrafa ou vidros, ferramentas.
f) Sistema de Pluralização: Esse sistema classifica números determinados ou indeterminados de alguma coisa, pessoa ou animal. Ex: pessoa(s) ou animal(is) indo e vindo.
g) Sistema de Elementos da Natureza: Reproduz a imagem de elementos que não são sólidos. Ex: o ar, a fumaça, a água líquida, a chuva, o fogo, a luz etc.

Referências Bibliográficas: A Imagem do Pensamento - Editora Escala
                                           INES

quarta-feira, 30 de março de 2016

SignWriting

SignWriting

É um sistema de escrita visual direta de sinais, desenvolvido pela norte-americana Valerie Sutton (1998), e sistematicamente descrito e desenvolvido em Capovilla e Sutton (2001). Estudiosa da dança, Sutton criou um sistema de notação de coreografias conhecido como DanceWriting. Na década de 70 começou a fazer experiências no registro da fascinante Língua de Sinais. Hoje, SignWriting é usado em todo o mundo. Há também um programa de computador chamado SignWriter (Gleaves & Sutton, 1995), especialmente delineado para esta escrita. No Brasil, SignWriting vem sendo usado em cursos de informática e língua de sinais para crianças surdas (Stampf 1998), escrever estórias de contos infantis em LIBRAS (Strobel 1995), para documentar a gramática da LIBRAS (Quadros 1999), e para documentar os sinais da LIBRAS no Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilingue de LIBRAS (Capovilla, Raphael e Luz, 2001b e 2001c).
Os sistemas de escrita alfabéticos representam os fonemas de que se compõem as palavras, enquanto que o SignWriting representa os quiremas de que se compõem os sinais. Ele emprega diferentes símbolos para representar os diversos componentes da LIBRAS tais como as configurações de mão; sua localização no espaço, e sua orientação, os tipos formas, frequências e dimensões dos movimentos, expressões faciais e corporais. Uma descrição detalhada pode ser encontrada no Dicionário Enciclopédico Trilingue de LIBRAS, CAPOVILLA Fernando & RAPHAEL Walkíria, ou no endereço www.signwriting.org.

Diferentemente das línguas orais, que podem ser registradas na modalidade escrita, as línguas sinalizadas, historicamente, eram e ainda são, até hoje, na maioria das vezes, registradas fielmente, com o recurso de vídeo.
A escrita de sinais, Sign Writing, foi criada para que, os registros das línguas sinalizadas não dependessem das traduções das línguas orais, que possuem outras estruturas gramaticais e culturais, ocasionando assim distorções. Signwriting é um sistema rico que mostra a forma das línguas de sinais.
 
Uma rápida cronologia sobre Sign Writing:
1974 Sign Writing foi criada por Valerie Sutton. Ela criou um sistema para escrever danças e despertou a curiosidade dos pesquisadores de língua de sinais. Foi na Dinamarca que foi registrada a criação de um sistema de escrita de LS.
1977 Houve o primeiro workshop sobre Sign Writing.
1978 Foram editadas as primeiras lições em vídeo.
1979 Valerie Sutton e a equipe do Instituto Técnico Nacional para Surdos de Rochester - NY fizeram alguns livretos, em que usaram ilustrações em Sign Writing.
1980 Valerie Sutton apresentou uma forma de se analisar a LS, sem passar pela tradução da língua falada. A escrita de sinais começou a se desenvolver a partir de um sistema escrito a mão livre e depois passou a ser escrito pelo computador.
1996 A PUC do RS, em Porto Alegre, formou um grupo de trabalho para pesquisas de SignWriting. Participa desse grupo, Marianne Stumpf, como colaboradora e autora da adaptação do Hino Nacional. A evolução do Sign Writing apresenta características da evolução da escrita. Um mesmo sinal pode ser produzido de formas diferentes. Há variações de sinais de escola para escola, entre comunidades de surdos e entre estados.


A interpretação do Hino Nacional foi feita com sinais usados em São Paulo, mais especificamente na Escola Especial para Crianças Surdas.

Abaixo, segue parte do registro do Hino Nacional em Sign Writing.

 


Fonte do Hino: TAMBÉM SOMOS BRASILEIROS
                        Escola Especial para Crianças Surdas – FRSP 2000

Tradução

Tradução

Entende-se por tradução a passagem de um texto escrito de uma língua para outra. Quando o texto for oral, diz-se que há interpretação. A interpretação é um tipo de tradução. Mas há nessas atividades diferenças fundamentais. No trabalho o tradutor dispõe de tempo para compreender o texto a ser traduzido, utilizando, se necessário, estratégias como glossário, notas de rodapé, comentários, etc. Enquanto que ao intérprete cabe ouvir, entender, assimilar, reproduzir. Ele necessita de boa memória e raciocínio rápidos. A atividade do intérprete implica forçosamente improvisação, limitação de tempo, rapidez de ritmo, exigências excepcionais de memória, espera de reação imediata. Por isso é importante que o intérprete da Língua de Sinais conheça previamente o texto da língua-fonte com a finalidade de realizar um trabalho fiel possível.

Resumindo: Língua oral (Português) para Língua de Sinais = Interpretação
                    Língua de Sinais para Língua oral (Português) = Tradução

INTRODUÇÃO
Traduzir de sinais para voz é, provavelmente, o maior desafio para os intérpretes das Línguas de Sinais. São muitos os conhecimentos e domínios necessários para que aconteça uma boa, coerente e real tradução. Em diversos países temos muitos intérpretes leitores de sinais, porém, não tradutores. Produzir sinais (no geral) é muito mais fácil do que ler sinais, até mesmo porque nós (ouvintes) temos o hábito de ouvir uma língua e não de vê-la.

Diante de uma grande platéia ouvinte (não sinalizadora), maior será a admiração por ver o intérprete sinalizando do que traduzindo. A crítica ao intérprete que atua como sinalizador poderá vir do público surdo presente – porém, em geral, os surdos são (não deveriam ser) bem mais passivos ou até mesmo flexíveis. A platéia ouvinte, nesse caso, por ser leiga, não tem como criticar.

Entretanto, o contrário é muito diferente e bem mais complexo. Os surdos estão em situação acrítica durante o processo de tradução, e os ouvintes não. Por estarem totalmente conectados e até dependentes da fala do tradutor-intérprete, eles se posicionam de forma ativa em relação ao orador.

A corporeidade vocal (ou não) será forte determinante para a interação (ou não) com essa platéia, bem como sobre a visão que terão desse indivíduo que está sendo traduzido.

Atualmente (e de forma crescente), os surdos têm protagonizado mais e mais sua própria história, e a demanda por bons intérpretes-tradutores tem aumentado dia a dia. Como sujeitos de sua história, os surdos têm se apresentado com maior frequência como palestrantes em congressos (de surdos ou não), escolas, empresas etc., e os ouvintes tradutores têm sido com mais incidência co-responsáveis para eliminar as barreiras de comunicação e romper paradigmas sociais sobre quem são esses cidadãos surdos.

Mais do que apoio técnico (oralidade, letramento, inclusão, protetização etc.) que os surdos têm recebido da comunidade ouvinte durante anos, eles têm solicitado, mais e mais, apoio humano por meio de tradutores-intérpretes que, literalmente, atuam como porta-vozes de suas falas e/ou embaixadores orais de suas idéias junto à comunidade ouvinte leiga.

Cada vez mais, como direito à cidadania plena e protagonismo de sua própria história, a comunidade surda tem discursado “ao vivo e em cores”, ante aos olhos dos que, voluntária ou involuntariamente, não teriam acesso às suas “falas”, se não fosse pela mediação de um intérprete-tradutor. Esses intérpretes têm apoiado os surdos na sua inclusão plena e igualdade de direitos junto à sociedade majoritária.

Toda a tecnologia e técnicas para desenvolver a oralidade dos surdos jamais poderão substituir a necessidade e o direito que os surdos têm de se expressar em sua própria língua materna (no caso, a Libras) e serem compreendidos por todos, acima de tudo, pela sociedade majoritária que não sabe Língua de Sinais.

O surdo não tem obrigação de narrar-se em Libras como se fosse um ouvinte, com a estrutura gramatical do português. O seu discurso em Libras é o seu próprio ato de pensar, que é muito mais que um acontecimento cerebral. É um ato que ocorre a um montante de símbolos (icônicos ou arbitrários), de pensamento imagético e, consequentemente, imagens visuais, experiências “auditivas”, gustativas, táteis, olfativas, sinestésicas e proprioceptivas que estão “transitando” neste discurso; os objetos em experiência sobre os quais os surdos imprimiram significado – sua cosmovisão.

Dessa forma, os surdos atuarão com uma cidadania mais participativa e igualitária, valendo-se dos seus direitos não somente de pertencer, mas de ser, de tomar decisões, da autonomia, de celebração das diferenças, da valorização da diversidade humana, do aprendizado cooperativo, da equiparação de oportunidades, da solidariedade humana, da independência, do "empowerment", da autodeterminação, da rejeição zero e da cidadania plena com qualidade de vida.

Como vemos, para a grande maioria dos surdos, o papel do (bom) intérprete-tradutor é fundamental (em alguns casos indispensáveis) para que o indivíduo surdo seja realmente o principal protagonista de sua própria história.

PRELIMINARES PARA A (BOA) TRADUÇÃO
A tradução LIBRAS – Língua Portuguesa é muito mais que apenas um processo de recepção/transmissão de uma língua para outra. O intérprete-tradutor é (ao menos deveria ser) um participante ativo nesse setting de comunicação. Seu amplo conhecimento social e linguístico influenciará imensamente na qualidade dessa tradução. Como uma ponte entre duas culturas, ele precisa de grande conhecimento teórico-prático das culturas envolvidas nessa interação linguística.

São quatro (4) atividades exigidas na tradução:
1. VER em uma língua
2. Mas não somente VER, mas VER e COMPREENDER
3. Não somente FALAR, mas falar e se FAZER COMPREENDER
4. FALAR na outra

TRADUZINDO SIGNIFICADOS
Podemos realizar o que chamamos de uma boa leitura de sinais (dos significantes), uma vez que a Língua de Sinais em si mesma pode vir de nosso léxico mental já memorizado, entretanto, os significados linguísticos emergem muito mais de um conhecimento não-verbal aliado a esse conhecimento formal.

Traduzir é muito mais do que enviar falas de A para B. Recebemos informações que são (re)constructos de idéias de A e as convertemos em nossa própria representação mental para B – a cosmovisão do outro de encontrar com nossa particular cosmovisão, que, ali, se fundem e se respeitam: é a própria capacidade de autopoiesis do intérprete. Linguagem e conceitos são inseparáveis.

Traduzir é o ato de entendermos as intenções, significados, fenômenos paralinguísticos, etc. para expressá-los em nossas próprias palavras. É passar os sentidos desse discurso e não palavras isoladas desprovidas de seus significados contextuais. É compreender esses fenômenos extras ou paralinguísticos, além dos complementos cognitivos adicionados a esse discurso.

Traduzir sinais orais, acima de tudo, evidencia que necessitamos de muitos conhecimentos extralinguísticos na tarefa de entender essas “falas” repletas de informações não-verbais, muito mais do que fazer a transposição de uma percepção visual para uma expressão verbal, é, também, a percepção do discurso não-sinalizado do outro.

O entendimento humano de sentenças isoladas evoca apenas parte do conhecimento de quem está ouvindo. “Embebido” do contexto, os eventos discursivos evocam muito mais nossos conhecimentos internalizados.

Enfim, essa percepção não-verbal, aliada à memória não-verbal do intérprete-tradutor e da platéia, não é somente a base de uma boa tradução, mas a chave do entendimento do como adquirir conhecimento e colocar luz sobre a natureza dos pensamentos e o porquê da fala do sinalizador.

TIPOS DE TRADUÇÃO
Tradução Espontânea: é a própria performance do sinalizador, improvisada e sem preparação prévia. O intérprete-tradutor não teve tempo algum para ver o texto ou a “fala” do sinalizador. Alguns exemplos disso são palestras não programadas, consultas médicas, entrevista para emprego, situações jurídicas, orientações e procedimentos em uma empresa etc. (inclusive, nessas situações, o intérprete executa função dupla e simultânea, o que torna tudo muito mais difícil).
Somente a experiência e a prática é que facilitarão cada vez mais a atuação como intérprete-tradutor nessas situações específicas, uma vez que não há como prever o que acontecerá em cada caso.
Importante: em situações judiciais, médicas, psicológicas, anamneses, entrevistas para emprego, provas e outras semelhantes, a má tradução influenciará profundamente na compreensão e no andamento dos processos.

Tradução Fixa: são traduções de textos ou “falas” já conhecidas como a oração do Pai Nosso, textos escritos conhecidos, poesias da cultura ouvinte adaptadas para Libras, textos do Estatuto dos Direitos Humanos, Estatuto dos Direitos da Criança, leis, documentos oficiais, atas, peças teatrais com textos de falas decoradas etc. Nessas situações, provavelmente, o intérprete-tradutor terá in loco o material a ser traduzido.
Entretanto, cuidado: ainda que o texto seja o mesmo, cada sinalizador imprimirá seu registro linguístico personalizado, seu ritmo, sua poesia, sua personalidade, inclusive podendo ser diferente em comparação à última vez em que ele mesmo sinalizou esse mesmo texto – dificilmente falamos a mesma coisa da mesma forma duas vezes!

Tradução Preparada: é a situação considerada ideal para uma boa tradução porque o intérprete terá condições de se preparar com antecedência. A quantidade dessa preparação varia de acordo com o que cada situação requer, podendo ser breve ou extensa. Veja a seguir alguns exemplos em que a preparação se faz importante.
Defesas de teses, apresentação de TCCs, monografias, palestras científicas etc. devem ser lidas e estudadas com muita antecedência.
Apresentações de peças teatrais: os tradutores devem participar de todos os ensaios porque serão “co-atores” durante toda a encenação.
Palestrantes de cidades diferentes das cidades dos tradutores, ainda que enviem textos com antecedência, devem estudar juntos, pois há sinais específicos que são diferentes para cada região do país

É importante enfatizar que o intérprete-tradutor deve estar aberto e preparado para mudanças espontâneas do sinalizador, mesmo dentro da proposta tradução preparada, tais como: ilustrações que surgem na hora, pequenas dramatizações, novas anáforas, acréscimo de novas idéias, sinais, personagens, linha de pensamento, novas ênfases e entonações etc., além do fator nervosismo do palestrante, que também poderá alterar a sua “fala”.

ANTECIPANDO O TIPO DE AUDIÊNCIA
Outra dimensão a ser reconhecida pelo tradutor-intérprete é o número de participantes e o tipo de atividade comunicativa necessária para cada audiência específica: se a tradução será feita um a um, em grupos pequenos, médios ou grandes. Cada setting determinará a forma de traduzir, de se posicionar fisicamente e os aparatos necessários para que a comunicação aconteça de forma excelente e bem contextualizada – o uso (ou não) de microfones, de caixas de som potentes (ou não), de “contra-intérpretes” (preferencialmente surdos) ou não, e até mesmo do apoio de outros intérpretes.



RESUMO DOS ASPECTOS MAIS IMPORTANTES PARA UMA BOA TRADUÇÃO:
1. Conhecimento das línguas de origem e destino.
2. Conhecimento Social de ambas as culturas (ouvinte e surda).
3. Qualidade de voz, articulação e entonação.
4. Contato visual.
5. Lag-time (tempo de espera).
6. Vínculo, convivência ou relação de confiança com o surdo sinalizador.
7. Adequação do discurso / sinalizador / público destino


Referencial Bibliográfico: INES - Fórum 13 (2006)