A área da surdez tem sido marcada pela proposta de educação bilíngüe (Skliar, 1997), a qual nos sugere mudanças que se mostram necessárias, sendo a mais importante delas o respeito à língua de sinais enquanto língua natural1 e de direito do surdo. Outra mudança se refere à condição bilíngüe do surdo, ou seja, ele deverá ter acesso à língua de sinais através do contato com a comunidade surda (dado o fato de 95% dos surdos serem filhos de pais ouvintes e adquirirem tardiamente a língua de sinais), possibilitando que a língua majoritária, oral e escrita, seja trabalhada como segunda língua.
Nessa perspectiva, a aceitação de uma língua implica sempre a aceitação de uma cultura, conforme lembra Behares (1993). Para este autor, a passagem para a educação bilíngüe significa uma mudança ideológica com respeito à surdez e não uma mudança meramente metodológica, destacando que a educação bilíngüe propõe-se a transformar a educação dos surdos em uma pedagogia socializada, abandonando as práticas clínicas e terapêuticas.
Os surdos, mediados pela língua de sinais, constroem suas relações sociais, adquirem conhecimento e se constituem em sua diferença. A questão da língua de sinais, portanto, está intimamente relacionada à cultura surda (Gesueli, 2006). Esta, por sua vez, remete à identidade do sujeito que (con)vive, quase sempre, com as duas comunidades (surda e ouvinte). Neste contexto, importa analisar o modo que os sujeitos inseridos em escolas bilíngües narram-se como sujeitos da comunidade surda.
A inserção do professor surdo e da língua de sinais em contexto escolar torna-se essencial para a construção da identidade surda e, conseqüentemente, para se conseguir uma educação condizente com as possibilidades lingüístico-cognitivas do surdo (Gesueli, 1998).
Atualmente temos nos debruçado sobre uma bibliografia que discute a questão da identidade surda, que mostra a importância do reconhecimento do surdo enquanto sujeito surdo; do seu contato com a comunidade e principalmente a importância do uso da língua de sinais. Como língua e identidade não estão desvinculadas, interessa-nos a condição da “identidade surda”, visto que o sujeito surdo faz uso de uma língua que não é a língua da maioria que o cerca. Geraldi (1996) afirma que “os sujeitos se constituem a medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste processo”.
A concepção de língua aqui assumida estará apoiada na discussão apresentada por Bakhtin (1995), na qual o sujeito não se situa nas extremidades ou na fonte do discurso e também não se constitui em mero reprodutor de discursos; o sujeito é, antes de mais nada, um produto dos discursos. É através do interdiscurso que ele se constitui:
Inspirado em Bakhtin, entende-se que o sujeito se constitui como tal à medida que interage com os outros sua consciência e seu conhecimento do mundo resultam como ‘produto sempre inacabado’ deste mesmo processo no qual o sujeito internaliza a linguagem e constitui-se como ser social, pois a linguagem não é trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos outros e para os outros e com os outros que ela se constitui. (Geraldi, 1996, P.19).
Dado o papel da linguagem como atividade constitutiva (Franchi, 1977), nos interessa discutir a relação língua/identidade, entendendo que o sujeito se constitui como tal à medida que interage com os outros. Parafraseando Geraldi (1996), a língua e o sujeito se constituem nos processos interativos. “Isto implica que não há um sujeito dado, pronto, que entra em interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas e nas falas dos outros” (Geraldi, 1996, p.19). Nesse contexto, a criança surda filhas de pais ouvintes cresce como estrangeiro na sua própria língua, pois não compreende a língua falada pelos pais e pela sociedade a sua volta. Daí as dificuldades e barreiras no processo de construção de sua identidade.
A interação com os pais e com a sociedade fica deveras prejudicada, e o que se obtém é a constituição de um sujeito deficitário, ou seja, um ouvinte deficiente, pois a comunidade majoritária visa constituir a criança surda como um sujeito ouvinte. A criança surda não interage para ser um sujeito surdo, mas para ser um sujeito ouvinte deficiente.
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