quarta-feira, 27 de abril de 2016

Ninguém fala a mesma língua sobre a alfabetização de surdos

Ninguém fala a mesma língua sobre a alfabetização de surdos. Ilustração: Benett
Quando se trata de alfabetização de crianças e jovens surdos, não existe unidade no país. De um lado, há quem defenda uma Educação inclusiva em escolas regulares, sob o argumento principal de que a convivência com os demais alunos é fundamental ao desenvolvimento. De outro, está grande parte da comunidade surda, que crê que esse público está mais bem assistido, até ao menos o 5º ano do Ensino Fundamental, em instituições de ensino bilíngues, que têm a língua brasileira de sinais (libras) como primeiro idioma. Em um ponto, todos concordam: para que alunos com surdez aprendam a língua portuguesa, precisam ser alfabetizados em libras, e a escola tem um papel fundamental nesse processo.

O psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) afirma no livro A Formação Social da Mente(186 págs., Ed. Martins Fontes, tel. 11/3116-0000, edição esgotada) que a língua não é somente uma forma de comunicação mas também uma função reguladora do pensamento. Aprender a linguagem de sinais é, portanto, imprescindível para que a criança surda tenha plenas chances de se desenvolver. Como mostra o Programa de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro (Pandesb), quem sabe libras aprende mais e melhor a ler e escrever em português. A prova mediu competências como compreensão de textos e de sinais e qualidade da escrita de mais de 9 mil estudantes com surdez em 15 estados.

É crucial, então, colocar em discussão as políticas necessárias para garantir esse aprendizado. A defesa da escola inclusiva, aberta a todos, tem como fundamento a noção de que o processo de desenvolvimento passa pelo convívio com as diferenças. Afinal, é na Educação Básica que se constrói o alicerce para uma sociedade também inclusiva. Em uma atuação pedagógica voltada a atender cada um - com variados ritmos e formas de aprendizagem -, são adotadas diversas estratégias de ensino benéficas a todos. A convivência possibilita aos ouvintes se apropriarem da libras, enquanto as crianças surdas criam outros meios de se comunicar para além da língua de sinais.

No âmbito político e pensando no que seria ideal para o país, temos de reivindicar escolas públicas para todos, capazes de incluir e garantir o aprendizado a cada aluno. O cerne da questão é como fazer com que isso funcione na prática e que medidas tomar enquanto os problemas não se resolvem. O discurso inclusivo, infelizmente, não veio acompanhado de políticas públicas que o viabilizassem, como investimento em formação adequada de professores para o ensino da libras. O Programa Nacional para Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua Brasileira de Sinais (Prolibras), do Ministério da Educação (MEC), por exemplo, certificou somente 6.507 profissionais entre 2006 e 2012, sendo que o país conta com mais de 2 milhões de professores.

Soma-se a isso a falta de intérpretes e a ausência de uma estrutura inclusiva nas escolas. Uma pesquisa realizada por Maura Corcini Lopes e Eliana da Costa Pereira de Menezes, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mostrou que, de 466 alunos surdos contactados, 116 estudavam em 43 escolas inclusivas. Para atendê-los, havia só 23 intérpretes, sendo que 12 atuavam em outras funções, seis eram professores em sala e um trabalhava como itinerante. Em 74% das escolas, não havia outro surdo, além do aluno em questão
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